quarta-feira, maio 24


As Festas do Centenário da República

Disseram-me um dia que o que distingue as grandes empresas das pequenas não é tanto o número de trabalhadores, o volume de negócios ou o das dívidas à segurança social, mas antes a capacidade de verem longe. De vislumbrarem com a antecedência adequada o seu percurso, permitindo-se, assim, atalharem por bons caminhos e evitarem veredas tumultuosas. Se é assim com as empresas, assim será com os Estados.

Foi seguramente com o propósito de sugerir a grandeza do Estado, amputado de outros sinais mais evidentes dela, que o Conselho de Ministros, na ressaca da entusiasmante festança em que se traduziu o 5 de Outubro de 2005, resolveu criar a «Comissão de Projectos para as Comemorações do Centenário da República», tendo aceite presidi-la, para gáudio geral, o Senhor Professor Doutor Vital Moreira, homem que nos lembram ser merecedor de incontestáveis méritos académicos, ainda que polvilhados com intervenções cívicas menos lúcidas e salpicados com exercícios de cidadania, como soe dizer-se, quase sempre lamentáveis ou infelizes, como sejam as repetidas declarações de amor à Igreja Católica.

Pretende-se com a celebração do evento, desde logo, aprofundar o conhecimento da nossa história. Não deixa de ser curioso que o Governo de um País com quase novecentos anos de História, com páginas relevantíssimas legadas à História Universal, queira aproveitar o pretexto de um golpe militar para dar a conhecer… não se sabe bem o quê. Até porque grassa nas hostes do regime o infeliz (se bem que oportuno) equívoco de considerar que a República foi interrompida em 1926… Portanto, admito que a Comissão de Festas não vá prestar grande atenção ao Estado Novo, a não ser que celebre o altruísmo republicano dos oposicionistas, herdeiros, esses sim, da Ética, com letra maiúscula, inaugurada em Outubro de 1910, ou mesmo antes, em Fevereiro de 1908, quando pretensos patriotas, com o mais esclarecedor dos argumentos, o fogo da espingarda, apearam o Rei, livrando a Pátria, no mesmo impulso de generosidade, do seu jovem filho primogénito.

Sugiro, na falta de outros temas, que se explicitem os nobres propósitos da Carbonária, que se dissequem os acontecimentos da camioneta fantasma de 19 de Outubro de 1921, que se analise a estabilidade política ou a falta dela, bem como o empobrecimento e o embrutecimento do País, que se exibam os perfis psicológicos dos próceres republicanos, que se inventariem as intentonas, as agitações e as convulsões sociais, que se exibam as liberdades de que os monárquicos foram beneficiários, que se mostrem fotografias dos padres prisioneiros e dos vexames a que eram sujeitos, bem como relatos dos enxovalhos sistemáticos com que clérigos ou simples leigos foram brindados, entre muitos outros, seguramente merecedores da atenção da Comissão.

Pretende ainda o Governo que a oportunidade sirva para render homenagem a todos quantos se entregaram à causa da República, honrando-se assim a sua memória. Pensará o Conselho de Ministros em quem? Em Salazar? Afonso Costa? Ou nos que morreram pela República, como o Buíca, o Almirante Reis (mau grado o suicídio), os anónimos que nas trincheiras da Rotunda perderam a vida? As vítimas das incursões monárquicas (das hostes republicanas, claro)? Sidónio Pais? Humberto Delgado? Abranger-se-ão nomes como os de Machado Santos, António Granjo ou Carlos da Maia, vítimas da ética do regime?

É com pena que constato que ao invés de se celebrarem acontecimentos capazes de unir os Portugueses em torno de uma ideia de Portugal, em vez de se promoverem verdadeiras festas nacionais, como ocorre em quase todos os países civilizados, insistimos em festejar, com pompa e circunstância, mas sem adesão das pessoas, eventos de mero e conjuntural significado político, anacrónicos, como acontece em quase todos os países do terceiro mundo.

Nuno Pombo

* Nota: o texto publicado é da exclusiva responsabilidade do autor.

Texto publicado no Diário Digital a 19-Mai-2006

7 comentários:

Anónimo disse...

Só quem não está seguro de algo é que celebra estes festejos ridiculos. Em 800 anos de história nunca se celebrou o regime monárquico português. Talvez à excepção de 1640, mas isto por outras razões.

Anónimo disse...

Antes de mais, gostava de felicitar o blog por voltar ao seu normal funcionamento, com igual qualidade a que já nos habituou. Passando ao que interessa, o mais engraçado nisto tudo são os dois pesos utilizados no mesmo assunto. Só interessa parte da história republicana. História essa que teoricamente respeita a pessoa humana. Aliás, está à vista. Começa com um regicídio...acho que está tudo dito. Cambada de hipócritas.

Rui Martins disse...

é como se esta classe política que nos governa (rege?) estivesse doente de autismo... à custa de perpetuarem no Poder, em plena "rotativismo" (onde é q eu já ouvi isto?) os líderes da partidocracia só vivem para dentro. Fazem comemorações a que só eles assistem, organizam eventos para eles, família, amigos e colegas. Vivem em círcuclo fechado e deixam que a nossa Democracia se afunde cada vez mais e perca o contacto com os eleitors que supostamente devia servir.

e depois admiram-se dos altos níveis de abstenção...

Mestre de Aviz disse...

Caro Besta Mecânica, mais uma vez muito obrigado pelo comentário.

Voltámos e esperemos que em força. Quanto a este texto, acho q as palavras falam por si. Existem as soluções, há-que aplicá-las!

Cumprimentos

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