sábado, março 31


O "milagre irlandês"



Garret FitzGerald explica o milagre irlandês

Garret FitzGerald, ex-primeiro-ministro irlandês e considerado um dos principais responsáveis pelo chamado milagre económico daquele país, explica como foi possível transformar radicalmente a economia da Irlanda. FitzGerald, que esteve recentemente em Portugal a convite do Compromisso Portugal, afirma que o factor principal para o crescimento registado na Irlanda terá sido a atracção de investimento dos Estados Unidos através de inúmeras multinacionais. Ao mesmo tempo, o governo irlandês investiu intensivamente na Educação e conta hoje com uma das mais altas taxas de literacia do mundo. Estes dois factores, a par da preciosa ajuda da língua inglesa e da aposta nas novas tecnologias, fizeram com que a Irlanda tenha actualmente um crescimento económico inédito no contexto europeu e que ronda os 7% ao ano. Garret FitzGerald foi primeiro-ministro da Irlanda de 1981 até 1987, numa coligação do seu partido, o Fine Gael, com o Partido Trabalhista. Antes disso, foi ministro dos Negócios Estrangeiros durante quatro anos.



Como foi possível o “milagre irlandês”? Como é que tudo começou?

Nos anos 70 a Irlanda já estava a ter alguns avanços no sector económico, mas depois fomos perdendo terreno e só conseguimos recuperar já nos anos 90. Fomos particularmente bem sucedidos na atracção de investimento dos Estados Unidos para a indústria.



E como é que conseguiram atrair tanto investimento norte-americano?

Sempre tivemos políticas de impostos baixos. Começámos também a reduzir os impostos sobre as exportações em 1956, até que os eliminámos completamente em 1959. No entanto, e com a adesão à União Europeia em 1973, não pudemos continuar sem taxar nada e estabelecemos uma taxa fixa de 10% sobre o lucro do investimento estrangeiro na indústria. Depois, fomos impedidos de discriminar os lucros do sector dos serviços relativamente à indústria e fixámos uma taxa única para os dois sectores de 12,5%. De qualquer das formas, esta taxa era bastante inferior à de outros países europeus, o que fez com que continuássemos a atrair um grande investimento. As empresas que investiam na Irlanda continuavam a ter um lucro de 87,5% em vez dos habituais 70% ou 65% que tinham noutros países. Este foi o grande factor de atracção.

Em segundo lugar, a Educação foi outra grande aposta. De acordo com os padrões do Norte da Europa, a Irlanda não era, até aos anos 60, um país com uma grande taxa de escolarização. Cerca de 20% ou 25% da população terminava o ensino secundário e tínhamos uma taxa de ingresso no ensino superior de 8%. Em 1966, tornámos o ensino secundário completamente gratuito. Ao mesmo tempo, foram criadas mais escolas por todo o país de forma a tornar o ensino acessível a todos. O ensino superior também teve uma expansão considerável. Foram criados inúmeros Institutos de Tecnologia por todo o país, de onde saía uma mão-de-obra que era imediatamente absorvida pelas indústrias que investiam no país. Por outro lado, o número de universidades foi também alargado, passando de cinco para sete pólos. Tudo isto constituiu um aumento considerável na oferta de Educação. Em 1995, as propinas nas universidades foram também abolidas, aumentando a igualdade de oportunidades, reduzindo-se o encargo das famílias. Ao mesmo tempo, nesta altura, o entusiasmo com a educação era enorme, porque isto também significava uma redução na taxa de emigração de jovens que iam estudar para outros países. Os elevados níveis de motivação e entusiasmo traduziram-se numa rápida expansão do sistema. Conseguimos, assim, passar de uma percentagem de 20% de alunos que terminavam o ensino secundário para uma percentagem de 87% e de uma taxa de ingresso na faculdade de 8% para 60%. Este foi outro grande factor de atracção porque as empresas de alta tecnologia precisavam de trabalhadores com um elevado nível de escolaridade, que conseguiam encontrar na Irlanda. Outra grande vantagem do ensino irlandês é que temos um ensino secundário que é bastante lato, cobre várias áreas. Enquanto, por exemplo, no Reino Unido os alunos só fazem exame final a três disciplinas, na Irlanda os alunos têm de fazer um exame final em seis ou sete disciplinas. Ou seja, os jovens também se especializam mais tarde.



E qual a importância dos acordos entre parceiros sociais para o desenvolvimento económico do país?

Os contratos sociais realizados em 1987 entre os trabalhadores, as empresas e o Governo tiveram um papel decisivo. O Governo comprometeu-se a manter os impostos baixos para diminuir a despesa das empresas com os trabalhadores. Ao mesmo tempo, o poder de compra dos irlandeses foi aumentando à medida que os salários foram subindo.

A língua inglesa é também um factor fundamental. O legado do inglês tem sido essencial para o desenvolvimento da Irlanda. Para além de ser uma língua universal, é ainda a língua falada pelo maior investidor na Irlanda, os Estados Unidos. Os investidores consideram que esta é uma grande vantagem.

Por outro lado, os nossos serviços públicos sempre foram bastante bons e bem vistos pela população em geral. Posso dizer que os nossos serviços públicos e sociais são bastante íntegros e sempre tivemos baixos índices de corrupção, o que também incentiva o investimento estrangeiro no nosso país. É um grande factor favorável para os investidores, que felizmente não têm de pagar a ninguém para que os processos sejam mais fáceis. Os trâmites dos processos de investimento estrangeiro na Irlanda foram facilitados ao máximo e é um processo relativamente simples, um dos melhores do mundo.

Como Portugal, a Irlanda também tem uma enorme tradição no campo da indústria de manufacturas, uma indústria que se foi desenvolvendo cada vez mais. Contudo, em 2001, o número de trabalhadores em fábricas parou de aumentar. Hoje, a maior parte da população irlandesa dedica-se aos serviços. O crescimento da área dos serviços, e cada vez mais especializados, tem vindo a aumentar, ao contrário do sector das manufacturas. A Irlanda transformou-se numa economia de serviços e num país exportador de serviços. Actualmente este sector representa cerca de 30% do total de exportações da Irlanda e este número continua a aumentar todos os anos.



E como conseguiram subir os salários dos trabalhadores para um nível tão elevado?

Baixando os impostos. As empresas pagam impostos mais baixos e por isso os salários podem ser mais altos. Ao mesmo tempo, os impostos sobre o consumo também são baixos e por isso a generalidade da população beneficia de impostos baixos. Por outro lado, os ricos aumentam os seus rendimentos mais depressa.

Mas, no ano 2000, quando estávamos quase a atingir um desemprego nulo, foram feitos vários erros. Nesse ano, e com a aproximação das eleições, a despesa pública aumentou consideravelmente porque os políticos queriam mostrar trabalho. A inflação disparou e, infelizmente, a Irlanda, que era um país com um baixíssimo nível de preços, passou a ser um dos países da Europa com mais alto nível de preços. A despesa pública fez com que os preços aumentassem cada vez mais e a Irlanda perdeu competitividade.

Mas o número de trabalhadores disponíveis na Irlanda era cada vez maior. O número de trabalhadores qualificados que saíam das nossas universidades crescia a um ritmo superior à maior parte dos países da Europa. As mulheres, que na Irlanda continuaram sem trabalhar até há pouco tempo, entraram também no mercado de trabalho – e a um ritmo quatro vezes superior ao resto da Europa. Também nos anos 90, muitos irlandeses que tinham emigrado na década de 80 devido à má situação económica voltaram ao país, engrossando a mão-de-obra irlandesa. Todas estas “fontes” de trabalhadores pararam de aumentar mas, ao mesmo tempo, a Irlanda beneficia agora de um enorme fluxo de imigração – trabalhadores que vêm de outros países e aumentam a mão-de-obra disponível. O fluxo de imigração corresponde a 1% da população total, sendo que esta cresce ao ritmo de 2% ao ano. Ou seja, estamos muito dependentes da mão-de-obra que vem do exterior.



E quais são actualmente as prioridades da Irlanda no que diz respeito ao sector da Educação?

A nossa maior prioridade é manter os padrões actuais. Neste momento, temos uma taxa de acesso ao ensino superior de 60% e o nosso target são os 66%, por isso não estamos muito longe. Temos uma taxa de 87% da população que termina o ensino secundário e o nosso target são os 90%. Ainda não atingimos bem o que pretendemos.

Por outro lado, temos de nos aplicar no ensino da Matemática. Os nossos professores de Matemática não são tão bons como deviam ser. Continuamos a não estar na média europeia nos resultados desta disciplina.
Também temos de tentar baixar os custos da Educação. Há ainda muito a fazer, mas penso que os nossos grandes objectivos já foram atingidos.



Como é que a Irlanda vai conseguir continuar a crescer?

Estamos com uma taxa de crescimento económico muito elevada, por volta dos 7%, o que é difícil de manter. Actualmente, um dos motores da nossa economia é o sector imobiliário. Estamos a construir casas a um ritmo seis ou setes vezes superior ao Reino Unido e quatro vezes superior à Alemanha. Por isso o nosso crescimento económico depende muito deste sector. O preço das casas também tem aumentado muito rapidamente.

Outro dos motores de crescimento é a quantidade de empréstimos que têm sido feitos e que vão continuar a fazer-se. Na década anterior as pessoas foram incentivadas a poupar, recebendo um bónus de 25% se não retirassem dinheiro do fundo de poupanças durante cinco anos. Esse período de cinco anos está a terminar para muitas pessoas e esse dinheiro vai ser libertado no mercado, incentivando o consumo.

Acho que a nossa economia tem tido um crescimento fantástico, mas talvez esteja a ir depressa demais e vamos com certeza ter de enfrentar retrocessos. Há, por isso, uma grande preocupação.


in, Compromisso Portugal

5 comentários:

Padeira de Aljubarrota disse...

Acho especial interesse a esta parte da entrevista:

"E como conseguiram subir os salários dos trabalhadores para um nível tão elevado?

Baixando os impostos. As empresas pagam impostos mais baixos e por isso os salários podem ser mais altos. Ao mesmo tempo, os impostos sobre o consumo também são baixos e por isso a generalidade da população beneficia de impostos baixos. Por outro lado, os ricos aumentam os seus rendimentos mais depressa."

Definitivamente, estamos no bom caminho...

Anónimo disse...

Hoje vi-vos lá, na manif do aborto. Tinham camisolas, onde na parte de trás se via o endereço deste blog e a cruz dos descobrimentos, salvo erro.Eram 4 com essas camisolas, e mais um rapaz que estava com vocês que não sei se é deste blog...;)

Um forte abraço

Unknown disse...

Caro Pantera,

Ainda nao respondi ao seu e-mail, porque nao tive tempo nem para ligar o computador. Contudo, ir-lhe-ei responder em breve.

Cumprimentos

Tiago Mendonça disse...

Cara Padeira,

A irlanda é sem dúvida um excelente exemplo de recuperação económica e de prosperação. Atentem na curva de Laffer, que nos diz, que a partir de certa altura, o aumento da carga tributária, traduz-se em menos receita fiscal. Isto é conceptual. Baixar os impostos, atrai investimento, estimula a produção, cria riqueza. Temos mais empresas, mais competitividade e baixa de preços acrescida de menor carga tributária. Mais trocas, ou seja, mais riqueza. Mais dinheiro para as empresas mas também para os consumidores. E pasme-se, mais dinheiro também para o estado. Se uma troca se dá a 10 euros, sendo que o consumidor está disposto a pagar 12 e o vendedor disposto a vender a 8, e o estado impoe um imposto de 5, então não há sequer transacção. O estado não ganha nada bem como não ganha o consumidor nem o produtor. Há uma perda absoluta de bem estar. Se o Estado colocasse um imposto de 3, no exemplo, teríamos a troca. Ganhava o consumidor, o produtor e ainda ganhava o estado, porque em vez de 0 ganhou 3. É simples e qualquer pessoa com o mínimo de conhecimentos económicos percebe isso. Mas cara Padeira, parece que para alguns, o bom exemplo não é a Irlanda, é mais a Holanda. Mas isso são outros quinhentos...

Anónimo disse...

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