terça-feira, julho 17


Sinais dos Contratempos

Há dois anos, na eleição para a Câmara lisboeta, Manuel Maria Carrilho perdeu com 75.022 votos; ontem, nessas mesmas eleições, António Costa venceu com 57.907. A anedota em regime de ambulatório que temos como Primeiro Ministro veio clamar, em histriónica celebração, uma vitória histórica.

Eu explico melhor: a associação de malfeitores vulgarmente apelidada de Partido Socialista recebeu nas urnas a preferência de 29,54% de 38,4% da totalidade dos eleitores, ou seja, na realidade, 11,04 dos munícipes inscritos e com direito a vot0. Um dia destes, ainda alcançam a maioria absoluta com 1 ou 2% do eleitorado e é vê-los a celebrar, em surreal delírio, noite fora...

Isto suscita, desde logo, uma dupla questão elementar: qual a legitimidade democrática para o exercício desta gente? E qual a validade legal dum tal sufrágio?

Se a democracia, por definição, é um regime em que o poder é exercido por representantes eleitos duma maioria da população (seja ele nacional, autárquica ou clubística), então é caso para dizer que, entre nós, as maiorias são cada vez mais minoritárias. Nos próximos dois anos, em Lisboa, 62% dos eleitores não estão representados; 11% comandam os destinos; 38% decidiram a coisa e vão abichar o trem de cozinha.

Quer dizer, segundo apregoam os iluminados do costume, quem se abstém desinteressa-se, faz declaração pública de incivilidade ou indiferença? E porque não de desprezo, de perspicácia, de desengano? No meu caso, por exemplo, já raia o nojo.

Seja como for, quem se abstém apenas descomparece à urna, não deixa de existir. O não-votante, por muito que custe ao regime e os comensais deste teimem em tratá-lo como tal, não se transforma automaticamente num fantasma, num nada ostracizado para um limpo periódico. Fantasmagórica, efabulástica e espectral tem vindo a tornar-se, isso sim, ao longo das cleptodiceias, a paródia eleiçoeira. Com uma única e fatal constante: os espectros vão aparecendo cada vez mais gordos e as afluências cada vez mais magras. Já não falta tudo, se é que ainda falta alguma coisa, para que aqueles atinjam o ponto de balão e estas o nível mínimo de clientela.

Calculo nuns 20% a percentagem nacional de aborígenes que vive directa ou familiarmente da debicação e parasitagem do erário público, nas seus múltiplos úberes, jugulares, intestinos e manjedouras. Pois bem, no dia, cada vez mais próximo, em que a lorpice se evaporar por completo e, por inerência, a abstenção cavalgar o zénite dos 80%, sempre quero ver que novo record da desfaçatez metódica o triunfador da época não estabelecerá.

Outro detalhe deveras sintomático e esclarecedor da mentalidade destes proxenetas da urna que nos assombram reside, invariavelmente, no seu clamor pungente e desesperado por uma "maioria absoluta". Com a "maioria absoluta" é que a coisa vai, é que o milagre é garantido e a banha da cobra infalível. Sem ela é a continuação do caos, prossegue o dilúvio, recalcitra a enxovia, ganha anti-corpos a infecção. Mas que significa realmente este pedido sistemático da "maioria absoluta"? Significa: "Autorizem-nos a ditadura grupuscular a prazo!" "Isto, sem ditadura não vai lá!" "Com democracias, ninguém se entende e é uma balbúrdia inconsequente." Etecétera e tal. Admira-me, num país atestado de tantos explicadores encartomantados, de bola de cristal à cabeceira, admira-me que nunca nos tenham explicado isto. Um fenómeno tão simples. E tão óbvio.

Do Cavaquistão ao Socratistão, passando por Limianiputes e Barrosais, a paisagem (queirozianamente falando) desaguou no país: enxames de besouros ilustres, fervilhando buliçosos em volta de abelhões mestres, na demanda sôfrega de bosta quente onde aconchegar a postura, apoderaram-se do Estado e, sob a maquilhagem democrática, instalaram a ditadura de alterne. Isto é, a ditadura alternada dos enxames. Ora agora ditas tu, ora agora dito eu. Os resultados deste sequestro - repartido e revezante - do país estão bem à vista. Os clamores impúdicos por "maioria absoluta" ecoam cada vez mais abafados pelos brados de "fim-da-pátria" e manguito absoluto.

Não espanta que o antigo ditador, mesmo em efígie póstuma, comece a ganhar eleições. Tivessem autorizado a sua candidatura e, muito provavelmente, teria ganho Lisboa. Não nos iludamos com explicações mentecaptas de nostalgias mórbidas, provincianismos e atavismos servis da indigenância rústica. Não existe maior pacóvio do que aquele que acha que tem que ser moderno sem saber para quê e apenas porque o vizinho é ; e esse está no poder, reina ufano em todas as cortes. Não é tanto a saudade do ditador antigo aquilo que mobiliza as pessoas, mas o asco, cada vez mais entranhado e justificado, aos ditadorzinhos modernos. Aos balões vazios promovidos a astros reis. Se a mentira tem perna curta, a vigarice contumaz nem pernas tem: rasteja sobre o ventre peçonhento e causa, mal se avista, a repugnância e o opróbrio públicos. Desde a antiguidade, a experiência ensinou ao povo uma verdade insofismável: é preferível a ditadura dum homem à ditatura duma choldra; são mais suportáveis os defeitos de um, por muitos que sejam, do que os defeitos de mil, tão incontáveis e infestantes se tornam.

Por outro lado, é sempre mais digno e legítimo o original do que a pacotilha, ainda por cima sonsa, ordinária e mascarada. O carnaval também chateia e abomina, se convertido, mais que em dia banal, em todos os dias do ano. Acresce que a ditadura salazarista, ao contrário da actual, era uma ditadura contra os partidos e parcimoniosa no que concerne à ingerência do Estado. Estas, as da partidarquia laroca, são ditaduras - por enquanto - a prazo, de partido único e de Estado convertido ao partido -partido, esse, que se investe, mal se hospeda, da omnipresença, da omnisciência e da omnipotência do Estado. E nessa medida, para quem saiba o que significa realmente fascismo e não se serve do termo apenas como arma de arremesso e contágio da sua própria imbecilidade generosa e canora, são, estas ditadurazinhas modernofobéticas, bem mais fascistas que a do Estado Novo. Com a peculiaridade óbvia do Estado já não ser Novo mas apenas Noivo, carochinha doméstica à procura de ratão estrangeiro com quem casar, e de estar cada vez mais transformado em albergue espanhol. As vantagens, para as nomenclaturas instaladas e apaniguados da situação, são mais que muitas; as tolerâncias infinitas e as desculpas imarcescíveis. Há lá melhor mundo, regime mais benigno, abençoado e perene do que estas teleditaduras 3G, este fascismozinho cor-de-rosa!...

Para a maioria da população, cada vez mais farta de ser estrangeira no seu próprio país e colónia sucedânea às patas de mafias albardadas de elite, resta, acima do desespero, a esperança - a esperança estribada na certeza que o tempo ministra: toda a podridão incha. Até que rebenta.

Viva Portugal!


Postado em Dragoscópio

2 comentários:

Ze do Telhado disse...

Excelente texto amigo Padeira. Boa escolha!

Um abraço

Anónimo disse...

Mais uma vez eu digo: Não irei votar com o pretexto de que estão a "protestar" ou coisa do genero, é dar-lhes a vitoria...

Ponham os olhos em frança! Quando Le Pen comecou a ter eleitorado fixo pode correr com os skin heads. Qnd correu com os skin heads, o partido cresceu ainda mais. Até que chegou aos 30% há 5 anos atras.
Conclusao: Os partidos do sistemas tiveram que abrir a pestana, até q apareceu um sarkozy a falar um pouco mais por frança do que o habitual e a puxar mais para a direita.

No entanto nao acredito que faça metda do que disse, mas ao menos a mentalidade no povo esta la, e nas proximas eleicoes castigam-no...

Se dermos força ao PNR, talvez ele se possa credibilizar. Eu prefiro ir às urnas e votar PNR, contra o sistema, e a ver se faço o PNR tornar-se uma alternativa seria, do que nao ir votar e dar a vitoria de mao beijada aos parasitas